Resenha: Anexo Collage, de Larissa Lisboa | Entre Páginas & Prateleiras
Se toda collage é um ato de montagem, e toda montagem é uma forma de pensamento: um pensamento em pedaços, a obra Anexo Collage (e-book de Larissa Lisboa, 2025) surge como uma ilha de montagem, onde a montadora fez uma curadoria de resíduos visuais. Larissa reorganiza o mundo a partir de seus vestígios.
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Fonte: Imagem: captura de tela de e-book |
As páginas são retalhos de percepção, com imagens e pulsões
poéticas, orquestradas sob a estética do recorte, são frames daquilo que se vê
e, mais profundamente, daquilo que se sente. A autora propõe um mosaico
sensorial, no qual o leitor é convocado a transitar entre pedaços de paisagens
emocionais, formas, objetos do cotidiano e desafios.
Há um elemento fotográfico potente em Anexo Collage.
Na construção imagética, o livro se vale de collages, onde cada imagem carrega
em si um discurso autônomo, mas, ao ser justaposta às demais, cria uma
tessitura narrativa. O diagrama, aqui, é uma ferramenta de transgressão:
Larissa Lisboa fragmenta para reconstruir, recorta para ampliar o olhar.
A obra incorpora um texto de sua newsletter, entre outros criados para o e-book, pois Larissa se concentra em seu processo de collage: aprendizagens, confissões,
experimentações, ensinamentos, curadorias, justificativas e mentorias. Tudo
orbitando a arte do recorte. O trecho em que afirma: “Anexo Collage
é minha primeira proposta espontânea, que não foi criada para atender a edital,
convocatória ou qualquer outra demanda a não ser o meu desejo de criar um
e-book”, ressoa com o espírito independente da criação artística
contemporânea. É a evocação de um impulso primitivo de produzir arte pelo
simples desejo de existir através dela.
Daí, cada texto é um disparo contra si, é uma confissão — um
clique mental que captura não somente a superfície das coisas, mas também suas
texturas internas. A autora escreve com a sinceridade de uma fotógrafa que
persegue a luz refletida, a sombra precisa e a dobra secreta de uma cena
aparentemente ordinária. Em alguns momentos, é possível contemplar a composição
perfeita, a captura do movimento interrompido, como se a literatura se
alinhasse à lógica do recorte.
Larissa Lisboa cola pedaços de memória, de sensação, de luz
e sombra, dispensando uma linearidade previsível em favor do choque, da
fricção, do encontro abrupto entre significantes. A obra, portanto, se inscreve
em uma tradição literária de ruptura. Há em Larissa um exercício de desmontagem
do real, como se cada imagem fosse um recorte absoluto do cotidiano, um
fragmento em suspensão, à espera de ser interpretado — ou de ser sentido como
resistência.
Há também um valor didático em Anexo Collage. A
partir de suas experiências, a autora ensina sobre os processos da collage (analógico
e digital), demonstrando o uso de papéis coloridos, fotografias, jornais,
livros, tesouras, colas e perfuradores. Os relatos, embora pessoais, se
apresentam como textos de um diário criativo, um inventário de erros e acertos
que formam um guia para quem deseja se aventurar na arte do recorte.
As collages, sobretudo as de fotografias autorais, são admiráveis.
Em particular, a peça intitulada “Mosaico do Mosaico” surpreende pelo rigor
formal e pela capacidade de criar uma nova visualidade a partir da repetição,
um gesto que evoca tanto a obsessão pela imagem quanto o desejo de
reconfigurá-la infinitamente.
A leitura de Anexo Collage exige do leitor um deslocamento: é necessário habitar os interstícios, ler o não-dito, perceber o som das margens entre os recortes. Larissa Lisboa constrói um convite à deriva, uma flânerie pelos escombros do sensível, onde cada fragmento é uma porta para uma experiência sensorial. Em sua sensibilidade estética, a autora se revela como uma montadora de sentidos, uma cineasta da palavra, capaz de transformar texto em imagem, imagem em poesia e poesia em memória espectral.
Ao cabo da leitura, fica a sensação de que Anexo Collage não se encerra em suas páginas: se a collage é uma poética do fragmento, uma estratégia estética e política de ruptura, o livro ecoa, reverbera, se projeta como um filme inacabado, rodando na memória do leitor.
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