Os Conflitos na Literatura ao Longo da História: Uma Perspectiva do Clássico ao Pós-Moderno
A literatura, ao longo dos séculos, tem servido como um retrato da condição humana, refletindo, por meio de sua tessitura narrativa, os dilemas e desafios enfrentados pelas sociedades em distintos períodos históricos. Os conflitos, enquanto elementos primordiais na estruturação da trama, desempenham um papel fundamental na transmissão de ideias, valores e críticas sociais.
Este artigo se propõe a explorar os diferentes estratos de
conflitos presentes na literatura, desde a literatura clássica até a fase
pós-moderna, analisando como eles se relacionam com as transformações
históricas e culturais.
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Figura 1, Fonte: Pinterest |
A Literatura Clássica: Embates Primordiais
Na literatura clássica, encarnada nas epopeias e tragédias
da Grécia Antiga, os conflitos se estabelecem em torno de três pilares
fundamentais: o confronto entre o homem e a natureza, entre o homem contra o
homem, e o confronto do homem perante Deus, ou o divino. Estes elementos refletem
os desafios enfrentados pelos indivíduos em um mundo ainda não completamente
desbravado, onde as forças naturais eram temidas e reverenciadas.
O conflito do homem com a natureza é central em obras
épicas como a “Odisseia”, de Homero, em que Ulisses se vê compelido a
sobrepujar uma miríade de obstáculos naturais em sua jornada de retorno a
Ítaca. A resistência às vicissitudes do mar revolto e o embate com criaturas
mitológicas personificam a relação tensa entre o homem e um cosmos, por vezes
indômito.
Por outro lado, o antagonismo entre pares humanos é
evidenciado em tragédias gregas como “Édipo Rei”, de Sófocles, onde o
protagonista se vê em um embate fatal com sua própria linhagem. Este tipo de
conflito, enraizado nas dinâmicas sociais e familiares, ilustra a intrincada
teia de relações humanas na Antiguidade.
O confronto com o divino também é uma temática recorrente
na literatura clássica. Na “Eneida”, de Virgílio, o herói Eneias se
defronta não apenas com adversários humanos; mas também com os desígnios dos
deuses, configurando a luta do homem para compreender e assimilar sua relação
com o transcendental.
A Literatura Moderna: Reflexos da Sociedade em Transformação
Com o advento da modernidade, novos escopos de conflitos
emergem na literatura. Agora, o homem se vê envolto em embates com a sociedade,
com a sua própria psiquê e com a ausência de Deus.
O embate do homem com a sociedade é exemplificado em obras
como “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, onde Raskólnikov se rebela
contra as normas morais e legais de uma sociedade em rápida mutação. A
urbanização, industrialização e a emergência de ideologias revolucionárias
estabelecem o cenário para a tensão entre o indivíduo e o coletivo.
O conflito intrapsíquico do homem consigo mesmo é explorado
em “O Estrangeiro”, de Albert Camus, onde o protagonista Meursault se
encontra imerso num estado de apatia e estranhamento em relação ao mundo que o
cerca. Esta introspecção desafia as concepções tradicionais de moral e
identidade.
A ausência de Deus, uma marca característica da
modernidade, é abordada de forma contundente em “Assim Falou
Zaratustra”, de Friedrich Nietzsche. A morte de Deus, conforme proclamada metaforicamente pelo autor, deixa o homem destituído de um referencial moral absoluto,
confrontando-o com a necessidade de forjar seus próprios valores.
A Literatura Pós-Moderna: Desafios na Era da Tecnologia e Desconstrução
Na era pós-moderna, os conflitos literários atestam as
transformações radicais da sociedade contemporânea. Agora, o homem enfrenta
desafios com a tecnologia, a própria natureza da realidade e até mesmo o autor
do texto.
O embate do homem com a tecnologia é um tema central em
obras como “Neuromancer”, de William Gibson, onde a fusão entre
humano e máquina confronta as concepções convencionais de identidade e
existência. A onipresença da tecnologia na vida cotidiana propicia um terreno
fértil para a exploração dos limites do que se define como humano.
O confronto com a natureza da realidade adquire contornos mais complexos em obras como “Cidade Invisível”, de Italo Calvino, em
que a demarcação entre o tangível e o imaginário se torna fluida. A narrativa
pós-moderna frequentemente desafia as fronteiras da realidade objetiva,
convidando o leitor a questionar a própria percepção da verdade.
Por fim, o embate com o autor da obra constitui uma
metalinguagem característica da literatura pós-moderna, exemplificada em obras
como “Se uma Noite de Inverno um Viajante”, de Italo Calvino. O
leitor é conduzido por uma trama que constantemente se desarticula e se
reinventa, desafiando as expectativas e desestabilizando as noções de linearidade
narrativa.
Ao longo da história humana, a literatura subsiste como um
registro intrínseco das preocupações, dilemas e aspirações das sociedades em
evolução. Os conflitos literários, desde os tempos clássicos até a era
pós-moderna, refletem não somente as mudanças nas condições de existência; mas
também um testemunho das transformações na forma de conceber o mundo e o “si
mesmo”.
Ao explorar esses conflitos, os autores nos convidam a
refletir sobre a condição humana e a apreensão das complexidades da experiência
vivenciada. Portanto, a literatura permanece não apenas como um repositório
histórico; mas como um farol para a compreensão e a reflexão sobre o nosso
próprio lugar no mundo.
Leonardo Hutamárty, escritor e roteirista de cinema,
outubro de 2023.
REFERÊNCIAS:
CUNHA, Carlos M.F. da. A história literária enquanto
teoria da literatura (século XIX). 2007. Disponível em: <https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/21922/4/A%20hist%C3%B3ria%20liter%C3%A1ria%20enquanto%20teoria%20da%20literatura%20(s%C3%A9culo%20XIX).pdf>
Acesso em: 16 de outubro de 2023.
DOCIMO, Katherine. Tipos de Conflito na Literatura. 2023. Disponível em: <https://www.storyboardthat.com/pt/articles/e/tipos-de-conflito-liter%C3%A1rio> Acesso em: 16 de outubro de 2023.
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