Resenha: A Interpretação dos Sonhos, de Sigmund Freud | Entre Páginas & Prateleiras
“A Interpretação dos Sonhos” de Sigmund Freud, publicado em 1899 com a data de 1900, e de anos de pesquisa e reflexão do autor sobre a natureza do inconsciente e o papel dos sonhos na expressão dos desejos reprimidos; é uma obra monumental que revolucionou o campo da psicologia e estabeleceu as bases da psicanálise.
Nessa resenha literária, exploraremos a importância crucial
deste livro, analisando seu impacto duradouro ao longo da história, a respeito
da compreensão da mente humana e da prática clínica.
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Imagem montagem, Fonte: www.egolab.com.br |
Nesta obra seminal da história da psicologia e da
literatura, Freud marca um divisor de águas entre os séculos XIX e XX, apresentando
suas ideias revolucionárias sobre os sonhos, descrevendo essas ideias como o “caminho
para o conhecimento do inconsciente”.
Quando o livro foi lançado, a Europa estava imersa em
transformações culturais e científicas. A virada do século testemunhou o
florescimento de novas ideias e movimentos artísticos, como o modernismo. A
sociedade, principalmente em Viena, onde Freud morou, estava imersa em um contexto
de mudanças, abrindo espaço para a exploração do inconsciente e das profundezas
da mente humana.
Ao decifrar o conteúdo onírico, Freud então inaugura uma abordagem
na compreensão da psique humana, dando início ao que conhecemos hoje como
psicanálise. Ele desbrava o território do inconsciente de forma inédita, e demonstra
como os sonhos são janelas para os desejos reprimidos, conflitos internos e
traumas não resolvidos. Freud esclarece a origem dos sonhos, os motivos de sua
ocorrência e o funcionamento subjacente a eles, emergindo como o estudo
psicanalítico mais influente do autor.
Embora os sonhos tenham sido objeto de estudo desde a
antiguidade clássica ─ e nas quase primeiras 100 páginas desse livro Freud traz
todo um panorama histórico sobre teorias de pensadores que já se debruçaram
sobre a ideia de interpretação dos sonhos ─; a pesquisa psicanalítica trouxe
uma inovação de grande importância ao investigar as relações entre o que é
chamado de “conteúdo manifesto” e de “conteúdo latente”, ou seja, entre a
descrição literal dos sonhos e os processos inconscientes que dão forma a esses
sonhos.
O livro introduz esse conceito de “conteúdo manifesto” para
descrever o que recordamos de um sonho. No entanto, não é nesse “conteúdo
manifesto” que encontramos o verdadeiro significado do sonho. Mas nos
pensamentos dos sonhos, ou seja, no “conteúdo latente”, o qual é carregado de
simbolismo, e é a linguagem do inconsciente. Freud mostra como os elementos
aparentemente banais nos sonhos têm significados profundos e complexos. Essa
interpretação simbólica revela os desejos e conflitos mais profundos do
indivíduo, fornecendo uma janela para a compreensão de sua psique; uma vez que
se sabe que o essencial em nossa vida quase sempre nos deixa uma marca
permanente na primeira infância, na fase em que carecemos de discernimento, ou
seja, quando ainda não podemos avaliar aquilo que foi ocorrido.
Entretanto, o livro não é apenas teórico; ele oferece uma
metodologia prática para a interpretação dos sonhos. Freud fornece, digamos, um
“guia” sobre como analisar os elementos simbólicos, permitindo aos terapeutas,
a quem esses ensinamentos são direcionados, acessar os conflitos inconscientes
de seus pacientes.
Tanto que, durante a leitura, eu adotei particularmente a
prática de anotar os meus sonhos em um caderno. E isso era a primeira coisa que
eu fazia ao me despertar de manhã. Foi nessa auto-incumbência, de ir registrando
no papel os sonhos, que passei a me recordar melhor deles. E nesse processo,
pude propor interpretações, segundo as orientações do livro, para conhecer os
meus desejos recalcados, meus desejos inconscientes, e talvez alcançar a “cura”
de alguns males.
Essa ideia de “cura” através da consciência do desejo e do
trauma, a “cura” através da interpretação do “conteúdo latente”, é uma abordagem
que ainda contribui para a prática clínica. Embora seja um processo complexo, e
talvez até inalcançável, diante de circunstâncias adversas, como a
possibilidade de o sujeito se deleitar com o sentimento de culpa e o prazer que
emana da dor; a abordagem ainda continua a ser valiosa para os psicanalistas
contemporâneos.
No pensamento de Freud, especialmente em obras que
sucederam “A Interpretação dos Sonhos”, ele também introduziu os conceitos de
pulsões de vida e de morte. Essas pulsões se referem a forças internas que
influenciam nosso comportamento e desejos. É notável e até paradoxal que o
mesmo impulso que nos dá vitalidade também pode, de certa forma, nos consumir.
Ou seja, as mesmas forças que nos impulsionam a viver também podem trazer
conflitos e desafios para nossas vidas. A pulsão, nesse contexto, muitas vezes
busca uma espécie de regressão, um retorno a um estado de prazer anterior. Isso
pode se manifestar como uma busca por conforto e segurança, por um estado de
prazer anterior, ansiando retornar à existência inorgânica, à placidez do útero
materno. Ou seja, é o que se chama de “felicidade da pedra”. É como se houvesse
uma inclinação nossa de buscar a sensação de bem-estar e plenitude que precede
nossa própria existência.
O termo “repetição” é muito importante nessa teoria, que se
refere ao fenômeno onde as pessoas tendem a repetir padrões de comportamento, frequentemente
de maneira compulsiva. Esse comportamento repetitivo pode estar ligado à pulsão
de morte, que envolve uma espécie de impulso interno sem direção clara. Essa
força tende a nos levar a reviver situações traumáticas ou desafiadoras, mesmo
que não queiramos conscientemente. A persistência dessa repetição não é um mero
capricho, mas um resultado da contínua supressão do conteúdo emocional e
psicológico que está por trás desses eventos.
“A Interpretação dos Sonhos” também suscitou críticas e debates acalorados, especialmente em relação à teoria da sexualidade, ao propor que ela emerge desde a infância como uma força central na psique humana. Não é por acaso que muitas vezes só achamos graça naquilo que mantemos reprimido, especialmente quando se trata de temas vinculados ao sexo e tabus de qualquer natureza. Freud então explora como os desejos sexuais, reprimidos ou disfarçados, se manifestam nos sonhos. Essa abordagem provocadora e franca foi inovadora na época e continua a ser um dos pilares da teoria psicanalítica de hoje. No entanto, mesmo aqueles que discordam de algumas das ideias de Freud não podem negar o impacto revolucionário que este livro teve nos estudos clínicos psicológicos, na cultura e na história do pensamento ocidental.
Para concluir, “A Interpretação dos Sonhos” é uma obra que transcende seu tempo e lugar, permanecendo como uma pedra angular na história da psicologia. A influência de Freud se estende muito além do campo da psicanálise (abrangendo a ciência, as artes e outras áreas do conhecimento), moldando como vemos e entendemos a mente humana e a cultura. Afinal de contas, o caminho freudiano é o caminho da maturidade individual, o que contrasta com a busca pela felicidade em detrimento do crescimento e do desenvolvimento pessoal, que é um dilema que ressoa em nossa cultura utilitária. Esse livro é uma leitura essencial para qualquer pessoa interessada na psicologia, oferecendo uma compreensão densa e duradoura da complexidade da mente humana.
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